Carta da Gestão – Novembro/2022

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Pílulas da Academia I: Investimento em Períodos Inflacionários

“Gold constitutes treasure and he who possesses it may do what he will in the world and may so attain as to bring souls to Paradise.” – Colombus Letter from the Fourth Voyage, 1503

Contrário às expectativas de que a alta na inflação fruto da pandemia da Covid-19 seria transitória, 2022 será lembrado como o ano em que a inflação atingiu patamares não vistos há décadas. Nos Estados Unidos, após quase dez anos de inflação (CPI) próxima de 2%, o índice deve se aproximar de 8% em 2022. Para o Brasil, a expectativa é de 6% (Focus) – melhor que muitos países desenvolvidos, mas ainda assim fora da meta. Desse modo, no cenário atual, é bastante razoável questionar qual é a melhor forma de alocar recursos em períodos de inflação alta​​.

Ouro como Hedge Contra Inflação

Antes de analisarmos essa questão sob uma perspectiva mais generalista, primeiro investigamos um dos maiores lugares comuns quando o assunto é investimento em períodos inflacionários: ouro funciona como um hedge contra o aumento de preços e serviços. Jastram (1978) mostra que historicamente o ouro não foi um bom hedge contra inflação no curto prazo. Em um artigo mais recente, Erb Harvey (2013) apresentam evidências que corroboram essa hipótese, principalmente relacionadas à alta volatilidade desse ativo​​.

Entretanto, no longo prazo a história é diferente. Harmston (1998) mostra que uma onça (28 gramas) de ouro comprava 350 pães no tempo do rei da Babilônia Nebuchadnezzar, que faleceu em 562 AC; na data em que o artigo foi escrito, uma onça de ouro ainda comprava a mesma quantidade de pães. Além disso, em um artigo de 2009 para o Wall Street Journal, Brett Arends afirma que uma onça de ouro comprava uma ótima toga no período romano e continua comprando um terno de alta qualidade nos dias de hoje. Ou seja, o ouro manteve seu poder de compra através de mais de dois milênios.

Já no lado da renda, Erb, Harvey (2013) mostram que, durante o governo do imperador
romano Augustus (63 AC – 14 DC), um legionário e um centurião recebiam, respectivamente, 2,31
e 38,58 onças de ouro por ano. De forma similar, hoje em dia, um soldado (hierarquia equivalente
a do legionário) do exército americano recebe cerca de cinco vezes mais ouro que o legionário romano,
enquanto que o centurião recebia aproximadamente 30% a mais que um capitão (hierarquia
equivalente ao do centurião).

Análise de Classes de Ativos em Contexto Inflacionário

Assim, fica claro que, em curtos períodos de tempo, o ouro não deve ser considerado como um bom hedge contra a inflação. Entretanto, se você for um investidor de longo prazo e estiver pensando na aposentadoria, o ouro pode ser uma ótima opção. Isso se a aposentadoria que você estiver considerando seja a do tataraneto do seu tataraneto. Brincadeiras à parte, por mais que o ouro não seja uma proteção eficaz contra uma alta na inflação, sua presença no portfólio pode ser importante por questões relacionadas à diversificação, por exemplo.

Após essa análise sobre o papel do ouro como hedge contra a inflação, partimos para a análise de um espectro maior considerando outras classes de ativos. Neville et al. (2021) mostram com dados a partir de 1926 para o mercado americano que, como esperado, títulos de dívida pré-fixados têm um desempenho ruim em períodos de alta inflação. Eles também apresentam evidências de que commodities e estratégias de trend-following possuem o melhor desempenho nesse tipo de regime, com um índice agregado de commodities apresentando uma taxa anualizada de retorno real na casa dos 14%​​.

Fatores de Risco em Períodos Inflacionários

Os autores exploram os mecanismos pelos quais a inflação afeta o preço das ações e mostram que essa relação é multifacetada e complexa. A intuição parece indicar que o investimento em ações é um bom hedge contra o aumento nos preços, dado que as empresas podem repassar os aumentos para os consumidores e as dívidas pré-fixadas tendem a ser diluídas. Entretanto, o índice de mercado tende a entregar retornos reais anualizados na casa dos -7% ao ano. Isso pode ser explicado pelos outros canais que conectam pressões inflacionárias com o preço de ações: repasse apenas parcial da inflação (pressão nas margens), aumento das taxas de desconto, aumento da incerteza econômica, entre outros.

Tendo em vista o desempenho ruim do mercado como um todo, um questionamento que pode emergir é qual o desempenho por setor da economia. Alguns setores mais sensíveis à inflação devem sofrer, enquanto outros devem prosperar, certo? Na realidade, ainda segundo os autores, apenas o setor de energia entrega um retorno real positivo em períodos inflacionários. Esse retorno é de 1% ao ano. Todavia, a commodity produzida por essas empresas entrega um retorno real anualizado de 41%. Com exceção do setor de saúde (-1%), o retorno dos outros setores varia de -6% (consumo não-durável) a -15% (consumo durável).

Ademais, o desempenho de alguns ativos alternativos também é explorado. Investimentos imobiliários possuem um leve retorno negativo (-2%) em períodos de alta inflação. Arte e selos, por outro lado, possuem retornos anualizados três vezes maiores em períodos inflacionários quando comparados a períodos não inflacionários. Vinho, por sua vez, possui um desempenho quase inalterado nos dois regimes, com um retorno real de 5%. No entanto, os autores advertem que a inclusão desses ativos (arte, selo e vinho) em um portfólio institucional não é trivial​​.

Conclusão

Por fim, como não poderia faltar na carta de uma gestora de factor investing, analisamos o desempenho dos fatores de risco nesse tipo de regime. Ainda baseando nos dados apresentados por Neville, et al. (2021), Tamanho tem um retorno real anualizado de -4% em períodos inflacionários. Valor e Lucratividade, por sua vez, entregam retornos levemente negativos (-1%), enquanto que Qualidade entrega retorno positivo na casa de 2%. Ademais, Momento é o fator com melhor performance em tempos de aumento nos preços, com a “versão” cross-section e a trend-following tendo um retorno real anualizado de 8%. Por fim, Investimento, Lucratividade e Baixa Volatilidade entregam retorno real anualizado de 2%, -1% e -3%, respectivamente.

Desse modo, excluindo commodities, as estratégias baseadas em fatores de risco são as que melhor permitem navegar o mercado durante períodos inflacionários. Essa constatação é mais uma evidência da capacidade do factor investing de gerar retornos superiores com consistência. Com modelos otimizados que buscam explorar justamente essas anomalias, o portfólio da Avantgarde está bem posicionado para capturar o prêmio de risco gerado por cada fator, bem como para explorar interações e não linearidades com capacidade de gerar alfas adicionais e descorrelacionados.