Pílulas da Academia I: Investimento em Períodos Inflacionários
“Gold constitutes treasure and he who possesses it may do what he will in the world and may so attain as to bring souls to Paradise.” – Colombus Letter from the Fourth Voyage, 1503
Contrário às expectativas de que a alta na inflação fruto da pandemia da Covid-19 seria transitória, 2022 será lembrado como o ano em que a inflação atingiu patamares não vistos há décadas. Nos Estados Unidos, após quase dez anos de inflação (CPI) próxima de 2%, o índice deve se aproximar de 8% em 2022. Para o Brasil, a expectativa é de 6% (Focus) – melhor que muitos países desenvolvidos, mas ainda assim fora da meta. Desse modo, no cenário atual, é bastante razoável questionar qual é a melhor forma de alocar recursos em períodos de inflação alta.
Ouro como Hedge Contra Inflação
Antes de analisarmos essa questão sob uma perspectiva mais generalista, primeiro investigamos um dos maiores lugares comuns quando o assunto é investimento em períodos inflacionários: ouro funciona como um hedge contra o aumento de preços e serviços. Jastram (1978) mostra que historicamente o ouro não foi um bom hedge contra inflação no curto prazo. Em um artigo mais recente, Erb Harvey (2013) apresentam evidências que corroboram essa hipótese, principalmente relacionadas à alta volatilidade desse ativo.
Entretanto, no longo prazo a história é diferente. Harmston (1998) mostra que uma onça (28 gramas) de ouro comprava 350 pães no tempo do rei da Babilônia Nebuchadnezzar, que faleceu em 562 AC; na data em que o artigo foi escrito, uma onça de ouro ainda comprava a mesma quantidade de pães. Além disso, em um artigo de 2009 para o Wall Street Journal, Brett Arends afirma que uma onça de ouro comprava uma ótima toga no período romano e continua comprando um terno de alta qualidade nos dias de hoje. Ou seja, o ouro manteve seu poder de compra através de mais de dois milênios.
Já no lado da renda, Erb, Harvey (2013) mostram que, durante o governo do imperador
romano Augustus (63 AC – 14 DC), um legionário e um centurião recebiam, respectivamente, 2,31
e 38,58 onças de ouro por ano. De forma similar, hoje em dia, um soldado (hierarquia equivalente
a do legionário) do exército americano recebe cerca de cinco vezes mais ouro que o legionário romano,
enquanto que o centurião recebia aproximadamente 30% a mais que um capitão (hierarquia
equivalente ao do centurião).
Análise de Classes de Ativos em Contexto Inflacionário
Assim, fica claro que, em curtos períodos de tempo, o ouro não deve ser considerado como um bom hedge contra a inflação. Entretanto, se você for um investidor de longo prazo e estiver pensando na aposentadoria, o ouro pode ser uma ótima opção. Isso se a aposentadoria que você estiver considerando seja a do tataraneto do seu tataraneto. Brincadeiras à parte, por mais que o ouro não seja uma proteção eficaz contra uma alta na inflação, sua presença no portfólio pode ser importante por questões relacionadas à diversificação, por exemplo.
Após essa análise sobre o papel do ouro como hedge contra a inflação, partimos para a análise de um espectro maior considerando outras classes de ativos. Neville et al. (2021) mostram com dados a partir de 1926 para o mercado americano que, como esperado, títulos de dívida pré-fixados têm um desempenho ruim em períodos de alta inflação. Eles também apresentam evidências de que commodities e estratégias de trend-following possuem o melhor desempenho nesse tipo de regime, com um índice agregado de commodities apresentando uma taxa anualizada de retorno real na casa dos 14%.
Fatores de Risco em Períodos Inflacionários
Os autores exploram os mecanismos pelos quais a inflação afeta o preço das ações e mostram que essa relação é multifacetada e complexa. A intuição parece indicar que o investimento em ações é um bom hedge contra o aumento nos preços, dado que as empresas podem repassar os aumentos para os consumidores e as dívidas pré-fixadas tendem a ser diluídas. Entretanto, o índice de mercado tende a entregar retornos reais anualizados na casa dos -7% ao ano. Isso pode ser explicado pelos outros canais que conectam pressões inflacionárias com o preço de ações: repasse apenas parcial da inflação (pressão nas margens), aumento das taxas de desconto, aumento da incerteza econômica, entre outros.
Tendo em vista o desempenho ruim do mercado como um todo, um questionamento que pode emergir é qual o desempenho por setor da economia. Alguns setores mais sensíveis à inflação devem sofrer, enquanto outros devem prosperar, certo? Na realidade, ainda segundo os autores, apenas o setor de energia entrega um retorno real positivo em períodos inflacionários. Esse retorno é de 1% ao ano. Todavia, a commodity produzida por essas empresas entrega um retorno real anualizado de 41%. Com exceção do setor de saúde (-1%), o retorno dos outros setores varia de -6% (consumo não-durável) a -15% (consumo durável).
Ademais, o desempenho de alguns ativos alternativos também é explorado. Investimentos imobiliários possuem um leve retorno negativo (-2%) em períodos de alta inflação. Arte e selos, por outro lado, possuem retornos anualizados três vezes maiores em períodos inflacionários quando comparados a períodos não inflacionários. Vinho, por sua vez, possui um desempenho quase inalterado nos dois regimes, com um retorno real de 5%. No entanto, os autores advertem que a inclusão desses ativos (arte, selo e vinho) em um portfólio institucional não é trivial.
Conclusão
Por fim, como não poderia faltar na carta de uma gestora de factor investing, analisamos o desempenho dos fatores de risco nesse tipo de regime. Ainda baseando nos dados apresentados por Neville, et al. (2021), Tamanho tem um retorno real anualizado de -4% em períodos inflacionários. Valor e Lucratividade, por sua vez, entregam retornos levemente negativos (-1%), enquanto que Qualidade entrega retorno positivo na casa de 2%. Ademais, Momento é o fator com melhor performance em tempos de aumento nos preços, com a “versão” cross-section e a trend-following tendo um retorno real anualizado de 8%. Por fim, Investimento, Lucratividade e Baixa Volatilidade entregam retorno real anualizado de 2%, -1% e -3%, respectivamente.
Desse modo, excluindo commodities, as estratégias baseadas em fatores de risco são as que melhor permitem navegar o mercado durante períodos inflacionários. Essa constatação é mais uma evidência da capacidade do factor investing de gerar retornos superiores com consistência. Com modelos otimizados que buscam explorar justamente essas anomalias, o portfólio da Avantgarde está bem posicionado para capturar o prêmio de risco gerado por cada fator, bem como para explorar interações e não linearidades com capacidade de gerar alfas adicionais e descorrelacionados.